Seis horas falando, nove entrevistas, uma reunião, jantar…
Roldão Oliveira
Conseguir uma entrevista com o prefeito José Richa não é das coisas mais difíceis, desde que no horário marcado não surja outra coisa mais importante. No primeiro dia, marcado às seis da noite, ele teve que sair às pressas por causa de uma acidente com um dos filhos do vice-prefeito; no segundo, marcada para o período da tarde, sem hora certa, os enviados do presidente Geisel chegaram para preparar a visita do dia primeiro de março.
Finalmente, no terceiro dia, ficou estabelecido que a entrevista seria logo depois da reunião da Associação de Municípios do Médio Paranapanema, da qual Richa é presidente. Com o risco de outros imprevistos, resolvi acompanhar também a reunião (sem hora certa para terminar) e não abandonar Richa até fazer a entrevista. Das três da tarde até às nove e meia da noite, o dirigente da maior empresa da região (a prefeitura tem dois mil e 500 funcionários) tomou duas garrafas de água mineral, cinco xícaras de café, fumou pouco mais de um maço, foi ao banheiro duas vezes, fez três telefonemas (dois interurbanos e um para a família), foi reeleito presidente da Associação dos Municípios do Médio Paranapanema, recebeu dois deputados federais, três secretários, um presidente de sindicato, assinou cinco cheques, deu duas entrevistas para emissoras de rádio, declarações para um jornal, e teve uma conversa rápida com o senador Leite Chaves ainda na reunião de prefeitos.
"Mas naquele momento do jornalismo brasileiro eu acho também que o jornal Panorama foi uma raridade, muito especial. Porque era um jornal de interior, baseado numa pequena metrópole – Londrina começava a pintar com uma cara de metrópole naquele tempo – e ao mesmo tempo era provinciana, o próprio sonho era provinciano." – Domingos Pellegrini
No final da entrevista ao Panorama, foi para um jantar, meio irritado com o repórter que o fez perder a hora. Durante todo esse tempo, falou quase ininterruptamente durante seis horas, ora lento, ora agitadamente e com voz em falsete, os dedos esticados, a fumaça do cigarro presa na garganta (não havia tempo para soltar a fumaça).
Alguns trechos das discussões, na reunião dos prefeitos, no Com-tour Shopping Center:
— Aqui formamos uma só família e todos os prefeitos da nossa micro-região merecem nossa consideração e apoio total (Richa, pouco antes de reeleito).
— Todos os prefeitos daqui devem analisar cuidadosamente a construção da represa de Itaipu, levando em consideração que a realização desta grande obra, depois da Transamazônica e da ponte Rio-Niterói, agravará ainda mais a situação nacional (senador Leite Chaves, aplaudido de pé no início de sua rápida visita à reunião).
— Os prefeitos devem se unir para pedir recursos junto ao Banco Nacional de Habitação (BNH), pois, com essa história de não dar financiamento para municípios com menos de 50 mil habitantes, nós vamos acabar nosso mandato sem ter feito “nenhuma de vulto” (um dos prefeitos).
— O que nos interessa é resolver problemas administrativos e não criar problemas políticos através da imprensa. Isto interessa aos deputados e políticos (Richa).
Às seis e meia, Richa entra pelos fundos da prefeitura, parando no gabinete do vice-prefeito, onde já se encontra o secretário de Educação. Discutem, prefeito e vice, como será o relatório das atividades de sua administração pela televisão e pelo jornal.
Depois o vice, Manoel Barros de Azevedo, apresenta a primeira parte do relatório que está fazendo sobre a industrialização do município, as indústrias implantadas depois que Richa assumiu a prefeitura tiveram um faturamento de 35 milhões de cruzeiros. O vice denuncia o fato de que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) não correspondeu àquela quantia: Ou tem gente sonegando ou então nossos cálculos estão errados, diz. Não é nenhuma coisa nem outra, responde Richa, lembrando o problema das grandes indústrias exportadoras, que são isentas de ICM.
"Londrina sempre foi uma cidade libertária, historicamente palco de lutas sociais muito grandes [...] Na área política e institucional, Londrina também sempre foi muito forte, produzia homens estudiosos como José Richa, Álvaro Dias, Hélio Duque…"– Nilson Monteiro
Finalmente, o prefeito dirige-se para a sala de reuniões anexa ao seu gabinete onde já se encontra o arquiteto José Bortolotti, um de seus principais assessores: ali será realizada a entrevista, depois que o prefeito fizer um telefonema interurbano, discutir alguns detalhes da via expressa com o secretário de Obras, Wilson Moreira, e insistir para que ele e o arquiteto fiquem acompanhando a entrevista, pois tem muita gente que vocês podem informar melhor que eu, e mesmo porque eu não consigo guardar tudo na cabeça. Finalmente, a entrevista começa:
Panorama: Qual é a situação do projeto da nova linha férrea?
José Richa: Quer saber como está agora, ou toda a história?
Panorama: A versão completa, desde quando foi abandonado o projeto anterior, elaborado pela outra gestão.
J. Richa: Quando assumimos, há dois anos, formamos uma comissão, presidida pelo secretário de Obras. Ela ficou incumbida de levantar o que já existia em todos os aspectos, técnica e financeiramente. A principal conclusão do relatório dessa comissão é de que não havia um projeto final de engenharia que possibilitasse conhecer o custo final da obra. O município não podia continuar fazendo uma obra dessa amplitude, com um projeto de viabilidade econômica global e com um projeto de engenharia que era apenas parcial.
Wilson Moreira: Era um anteprojeto.
J. Richa: Então, o município, com essa conclusão, fez a primeira exigência à firma empreiteira: que nos apresentasse um projeto final de engenharia para que decidíssemos o que iríamos fazer, para saber o custo total das obras e se havia condições do município fazer a obra. A firma, obrigada, realmente contratou uma das melhores firmas de projetos do Brasil, a Serete, que no setor ferroviário tem uma experiência e um know-how dos melhores. Só que este projeto naturalmente era uma grande obra e levou quase um ano para ser elaborado. E em dezembro do ano passado…
W. Moreira: Em dezembro de 1973.
J. Richa: Em dezembro de 73 é que este projeto foi entregue e pago pela firma empreiteira. De posse dele, alteraram-se as condições anteriores do convênio celebrado entre o município e a Rede Ferroviária Federal (RFF). Esperamos a nova diretoria da Rede tomar posse e em abril do ano passado, levamos o projeto, com uma solicitação: se aprovado, deveria ser revisto o convênio, para que o município não ficasse exclusivamente responsável pelas obras. Solicitávamos que, em vista do montante de investimentos já realizados, ficasse o restante sob a responsabilidade da RFF.
Panorama: E como está a situação hoje?
J. Richa: Bom, o projeto ainda está tramitando na Rede. É uma tramitação demorada, realmente, nós reconhecemos. Não recebemos nenhuma comunicação oficial, mas sabemos, oficiosamente, que o projeto já foi aprovado tecnicamente. Atualmente, a direção da RFF está estudando o mérito de nossa solicitação, se absorve ou não a conclusão da obra.
Panorama: E o que a prefeitura faz enquanto isso?
J. Richa: Enquanto isso, estamos agindo politicamente, já estivemos praticamente com todos os diretores da rede, acompanhando a tramitação do projeto em todas as suas faces e agora estamos acionando os políticos: já falamos com Ney Braga, com o diretor local do Banco do Brasil, com os amigos de Londrina para acionarem o que for possível, para viabilizar. E nós vamos inclusive ao Presidente da República, porque afinal já investimos dinheiro, é uma obra necessária e nós queremos, se possível, concluir na nossa gestão.
Panorama: Quais são as modificações básicas do novo projeto, com relação ao anterior?
J. Richa: O projeto, substancialmente, continuou quase que com o mesmo traçado. Acontece… aí vem uma explicação que é mais técnica…
W. Moreira: E econômica.
J. Richa: A Rede só aceita retificações ou construções de novas linhas desde que seja obedecida à exigência de no máximo 1% de rampa a cada quilômetro. É isso, não é Wilson?
W. Moreira: Não, é a cada 100 metros.
J. Richa: Bom, o principal defeito do projeto anterior é que eles partiram pra chegar a este 1% de rampa a partir da estação ferroviária. Partiram primeiro para a locação e depois para o projeto. E o trecho todo tem 16 ou 17 quilômetros: se você mete uma estação no meio deste trecho — dividindo em duas partes, portanto — para conseguir rampas de, no máximo, 1% tem de fazer aterros fenomenais, como o do Quati, que deveria ter 64 metros. O aterro estava com apenas um terço do tamanho previsto e assim mesmo já tinham sido esgotadas as caixas de empréstimo de terra na arca. Elas deveriam ser tomadas emprestadas em outras cidades e isto ia encarecer de tal maneira, que, neste novo projeto, com a redução substancial do tamanho do aterro, haverá uma economia de 40 bilhões de cruzeiros! Só de aterro! A localização anterior da estação rodoviária é que estava atrapalhando tudo.
(O prefeito rabisca sem parar algumas folhas existentes numa agenda sobre a mesa).
J. Richa: A primeira coisa que a Serete decidiu depois do levantamento aerofotogramétrico foi: tem que tirar a estação daqui (aponta a estação no papel). Porque com um trecho de 17 quilômetros há mais possibilidades, aumentando uma curvinha aqui e outra lá, de conseguir uma rampa de 1%. Entendeu tecnicamente o negócio? A modificação mais substancial foi retirar o pátio do meio e botar na extremidade, porque o resto é quase a mesma coisa, para aproveitar o investimento já realizado.
W. Moreira: O projeto anterior coincide com o novo projeto.
Panorama: E por que o pátio foi lançado na extremidade oposta ao distrito industrial?
J. Richa: Não é uma questão só de topografia. Você não pode jogar o pátio numa área já congestionada pelo distrito industrial e que está se conurbando com Cambé, uma área estrangulada hoje. Jogar o pátio lá não seria muito razoável.
Panorama: Não dificulta o desenvolvimento do distrito?
J. Richa: Não atrapalha porque a solução para o distrito industrial é um pátio exclusivo pro centro industrial, sem misturar passageiros e sem misturar a carga local com a regional. O terminal rodoviário para as indústrias está previsto no projeto.
W. Moreira: Além disso, a estação não deve afastar-se do centro da cidade, para facilitar o acesso.
Panorama: E como será feito este acesso?
J. Richa: O prolongamento da Avenida Paraná vai dar exatamente na nova estação ferroviária. Além disso, está previsto um anel rodoviário ligando à PR-72 (Mauá-Charles Naufal), à BR-369 (Ourinhos-Apucarana), ao Leste da cidade: a estrada vai passar junto ao pátio e quem vier de Ibiporã terá acesso à estação, assim como quem vier do Sul pela PR-72.
Panorama: A área deste pátio é a mesma do anterior? Foi planejada em termos regionais?
J. Richa: É aproximadamente a mesma. A preocupação básica era aproveitar tudo o que havia sido realizado. Onde havia terraplanagem, ela vai ser aproveitada. A única coisa que se poderia perder, realmente, era o pátio da estação, mas não vai acontecer: é uma área muito boa e nós vamos colocar lá o estádio municipal e o centro esportivo. Mas podia ser dada outra destinação, porque é uma área muito boa.
W. Moreira: E o distrito industrial será atendido pela estação de manobras da estação de Cambé, se for o caso.
Panorama: Com a nova localização do pátio, algumas indústrias que hoje estão próximas do centro da cidade não estariam desobrigadas a sair dali? Como a Anderson Clayton?
J. Richa: A Anderson Clayton e outras empresas não teriam que sair dali, mesmo pelo projeto anterior. No anteprojeto, pelo próprio convênio assinado, o município ficaria obrigado, por exigência da Rede, a conservar todos estes desvios para atender a Anderson Clayton, o Instituto Brasileiro do Café (IBC) e as companhias de combustíveis. No nosso convênio estamos prevendo a convivência com estas indústrias, mesmo porque a cidade cresce em todas as direções, mas, no futuro, elas terão que sair.
José Bortolotti: E tem um problema urbanístico: com o pátio no local anterior, o aterro deveria ser de 64 metros no Quati, passando acima da BR-369, na Vila Yara, a 12 ou 14 metros de altura. Seria uma muralha chinesa bloqueando a cidade. A ferrovia passaria por cima da rodovia, sendo que agora passará por baixo.
J. Richa: Em termos de economia, a intenção é que haja a economia de 40 milhões de cruzeiros, só num aterro (Ri).
J. Bortolotti: O negócio de movimentação de terra é uma violência.
Panorama: Com essas novas perspectivas, como ficará o atual leito da ferrovia, que corta o centro da cidade? Com a Rede ou para a prefeitura?
J. Richa: A construção e o leito foi o que nós pedimos lá.
W. Moreira: Porque nós já investimos bastante, né? Toda a desapropriação já foi feita pela prefeitura. Em termos de valores de hoje, a prefeitura já participou com 35 milhões, aproximadamente, naquela obra. E o restante da desapropriação vai custar uns 15 milhões, num total de 40 milhões!
J. Richa: Cinquenta.
Panorama: E o que se entende fazer da faixa do terreno a ser desocupada pela atual que fica no centro da linha férrea?
J. Richa: Vai ser uma avenida. É inclusive a avenida no sentido Leste. Oeste mais prioritária, das quatro, prevista no Plano Viário.
Panorama: Quais as outras previstas no Plano Viário?
J. Richa: O Plano Viário é o nome popular. O correto é Plano Diretor do Sistema de Transportes. Ele prevê quatro avenidas — do tipo desta expressa que estamos construindo — no sentido Norte-Sul e quatro no sentido Leste-Oeste.
Panorama: Seria também uma via expressa a do leito da ferrovia?
J. Richa: Seria. Quer dizer, via expressa propriamente não.
J. Bortolotti: É uma via de tráfego rápido.
Panorama: Com ligação com a Ourinhos-Londrina visando o acesso no centro?
J. Richa: Não. Seria paralela, no sentido Leste-Oeste. A principal característica de uma via expressa é o bloqueamento das passagens, enquanto que esta teria acessos naturalmente, no perímetro da cidade, mas sem perigos de passagens, pois não haveria nenhum cruzamento.
Panorama: Então a via expressa que estão fazendo não é uma via expressa?
J. Richa: Propriamente ela não é, porque será bloqueada em apenas 40% da sua extensão.
J. Bortolotti: Sem prejuízo da malha urbana.
(O secretário buscou uma garrafa térmica com café e xícaras na sala ao lado e serviu)
Panorama: Quais são os benefícios diretos que a via expressa trará?
J. Richa: Em primeiro lugar, vai servir de acesso a quem vem de Curitiba pela Londrina-Mauá, a PR-72, e acesso a quem vem de São Paulo pela Ourinhos-Londrina, a BR-369.
Panorama: Acesso ao centro?
J. Richa: Exatamente. E esse tipo de acesso não existe hoje em Londrina. Quem vem de Curitiba, vem do asfalto, tudo bonitinho, até o Três Marcos. De lá pra cá usa as estradas de terra. A principal característica dela é servir de acesso à cidade. A segunda é a transposição rápida, desde a BR-369 até a PR-72, sem perder a conexão com a malha urbana. Então, ela vai ter diversas utilidades.
Panorama: No sentido Leste-Oeste, o que vai ser feito além da avenida no leito da ferrovia?
J. Richa: Uma das avenidas programadas seria a própria BR-369: ou através, de sua mudança para fora da cidade, ou, se o governo federal quiser, duplicando-a e bloqueando-a, construindo, através do programa de vias expressas, duas marginais ao longo da BR. A outra prevista no plano viário seria na rua Goiás, através do seu alargamento; e uma outra ainda seria margeando o Lago Igapó. São estas as quatro grandes avenidas programadas para serem construídas até 1993.
Panorama: Quanto vai custar ao município essa via expressa?
J. Richa: Estimativamente, incluindo as desapropriações, em torno de uns 80 milhões. Ah, uma das outras vantagens da via expressa é que ela completa o anel perimetral, previsto no plano diretor de 1967, que seria formado pela BR-369, Avenida Rio Branco, continuando pela Rua Antonina, e pela Avenida Jacarezinho, que é essa que passa aqui em frente da prefeitura e que atualmente está parada no Rio de Janeiro, certo? Você pode observar que desde 1967 nenhuma construção tem sido autorizada na Jacarezinho sem que houvesse recuo. Ela está parada aqui (aponta no seu mapa improvisado) e cada prefeito está fazendo um pouquinho. Então, neste plano diretor também não ficou definida a complementação no anel perimetral, que “embananou” na linha férrea, na Avenida Paraná, na Santos Dumont e no leito do Vale do Córrego das Pombas. Como o plano diretor não previu, a via expressa está aí, completando o anel perimetral.
Panorama: Um outro problema, envolvendo transporte e acesso: por que o estádio foi retirado do local onde estava planejado, no local está o Jóquei, e colocado onde seria o pátio da estação ferroviária, seguindo o projeto anterior? Não estava provado que as condições de acesso no antigo lugar eram melhores?
J. Richa: Porque o Jóquei não era nosso e sim de uma entidade particular. Nós fizemos contato com a diretoria e os associados do Jóquei: eles não quiseram doar a área; nem vender, nem nada. Então você não pode invadir uma propriedade, com tanto lugar pra fazer o estádio. Não é justo você violentar. E, assim como tem aficionados de futebol, tem aficionados de … de … de …
W. Moreira: De turfe.
J. Richa: De turfe!
Panorama: Não poderia ser utilizado, mais uma vez, o recurso da desapropriação?
RICHA: Mas pra que? Você vai vestir um santo e destruir outro? Vai contentar o pessoal do futebol, descontentando o pessoal do turfe? Eu acho que, para quem gosta, as duas coisas são importantes.
"Uma cidade como Londrina ter abrigado um jornal diário com um bando de forasteiros enlouquecidos que tinham experiência jornalística grande e que abrigou uma molecada muito talentosa junto, deram as mãos e foram embora, fizemos o tempo que deu." – José Trajano
Panorama: Um estádio regional em termos de acesso…
J. Richa: Mas o hipódromo também é regional! É o único no Norte do Paraná. Se eles quisessem, nós faríamos lá, que é realmente a área ideal. Mas não quiseram…
W. Moreira: E ainda há o fato do centro esportivo.
J. Richa: Exato! Nesta nova área está previsto o centro esportivo, junto ao estádio. No antigo local não haveria espaço para este centro esportivo. Aqui (aponta outro mapa, do terreno terraplanado para receber o pátio ferroviário e que está recebendo o estádio) tem 13 alqueires: o estádio ocupa um pedacinho e o resto está vazio.
J. Bortolotti: E depois não é uma área comprometida com urbanização, onde é difícil mexer. Mas quando é uma área virgem, rural, é muito mais fácil você projetar.
W. Moreira: Uma área ao redor da construção do estádio está valendo hoje, no máximo, dez cruzeiros o metro quadrado, enquanto a área que dá frente para a Avenida Tiradentes vale uns 150 cruzeiros o metro quadrado.
J. Richa: A diferença é brutal.
Panorama: Em termos de transporte de massas, qual é o planejamento a longo prazo?
J. Richa: Bom, o Plano Viário dá oito subprodutos. Um deles é o Plano de Circulação e o Plano de Transportes de Massa. E todo ele está baseado fundamentalmente na prioridade do transporte de massa, porque, quando você prevê o dimensionamento destas avenidas é exatamente pra facilitar para transportes de massa, porque cada vez o problema se agrava, principalmente o de estacionamento: o fenômeno que se registra hoje em dia em todas as grandes cidades, vai acabar acontecendo também um dia em Londrina. Isto é, vai compensar muito mais ao fulano tomar um ônibus pra ir ao local de trabalho, no centro.
Panorama: Tomando como exemplo ainda os grandes centros: essas vias expressas, suspensas e minhocões: estão realmente resolvendo o problema de trânsito?
J. Richa: Não é que não funcionem: as soluções, infelizmente em termos urbanísticos, dadas as limitações de recursos dos municípios, sempre vêm depois, quando o problema já está…
J. Bortolotti: Sem solução…
J. Richa: Está estrangulando a cidade. Aí então criam uma solução, mas já vem superada. Pô, você já imaginou? Como é que não resolvem? Você já imaginou o que aconteceria se não fosse o Minhocão em São Paulo? Haveria condições de transitar mais por lá? Então, o Minhocão aliviou um pouco, quer dizer, não deixou congestionar ainda mais. Agora vem o metrô. Também não vai resolver, porque o problema…
J. Bortolotti: Não resolve mesmo.
J. Richa: Deixaram chegar a uma tal dimensão, que não tem mais soluções.
Panorama: Em Londrina, o senhor garante que isto não vai acontecer?
J. Richa: Nós estamos tentando fazer com que, a partir do que já está comprometido, o resto não seja mais comprometido. Então, o Plano Viário e o Plano Diretor, que está sendo revisto em função do Plano Viário, já vai corrigir estas distorções. Tanto é, que ao longo da via expressa, na área da Avenida Portugal, ali no final da Duque de Caxias até a PR-72, ainda não está loteada. Então estamos prevendo, na margem da BR, um recuo de 60 metros. Os loteadores hoje estão chiando à beça, mas eu sei que daqui a 20 anos alguém há de lembrar que alguém previu. Depois do centro já comprometido, que não há loteamento aqui em Londrina que nós aprovemos, sem que tenha pelo menos uma avenida de 32 metros, no mínimo. Então, nós estamos tentando fazer com que os exemplos negativos de São Paulo e outros centros urbanos não ocorram em Londrina.
Panorama: Ainda sobre o transporte de massas. Por que tentou transformar a empresa permissionária de ônibus numa concessionária? Isto não trará prejuízos para o município?
J. Richa: Porque… Eu acho até gozado! Por que permissão, que já tem na própria definição o título de precária? Por que não se resolve diretamente o problema? Eu é que pergunto?! Eu encontrei problemas acumulados de 20 anos atrás: nem a área alagada de Igapó estava acertada quando entrei (o prefeito se lembra do gravador). Isto não é crítica nenhuma, claro, porque há coisas que você tem que fazer meio no peito. Na época, o prefeito fez isso: criou a barragem e a alagou. Quase 20 anos depois, ainda há herdeiros de proprietários brigando na justiça: estamos resolvendo porque hoje é mais fácil.
(Toma um gole de café, acende mais um cigarro).
J. Richa: Então nós quisemos mexer com todo tipo de problema que estava aí: há 14 ou 15 anos atrás, o município não tinha condições de explorar o transporte coletivo, sendo que a atual permissionária topou, na época, explorar o serviço a título precário, durante dois anos, no fim dos quais o município tinha obrigação de abrir concorrência e legalizar a situação. Só que ninguém fez isso até hoje, não sei se por falta de coragem ou se… Eu tentei fazer: houve um clamor danado, a classe política, uns por interesse, outros não sei por que razão. Então eu disse: não é uma obra fundamental para minha administração, então vou largar do jeito que estão. Já que não querem que eu conserte, deixa do jeito que está. Mas eu é que pergunto: porque a permissão durante todo este tempo? O procedimento legal não é este, mas sim fazer uma concorrência, com contratos que estipulariam direitos e deveres.
Panorama: Porque o projeto de Burle Marx não foi executado no Igapó?
J. Richa: Mas quem é que disse esta heresia? Nós estamos exatamente executando o projeto de Burle Marx! É preciso que se esclareça que o Burle Marx não fez um projeto de engenharia pro Igapó. Ele fez um projeto de paisagismo, porque é um paisagista. Neste projeto ele diz o que deve ser usado, principalmente nas áreas verdes, o que deve ser executado. É isso que nós estamos executando. Em termos de equipamento comunitário, eu acho que nem o Burle Marx, nem nenhum técnico teria a burrice de dizer que isto é imutável: toda questão urbanística é essencialmente dinâmica. A população hoje pode ter determinadas preferências e ter outras amanhã. Nenhum projeto é estático. Bom, o Burle Marx, há dez anos, fez um projeto e ele fica sendo definitivo? Absolutamente! O que nós estamos tentando fazer é atualizar determinadas coisas que ele havia previsto. Mas basicamente é o projeto dele.
Panorama: A barragem de concreto nas margens do lago foi uma atualização de vocês. Ela não seria capaz de prejudicar a fauna aquática? Os peixes e as plantas?
J. Richa: É exatamente o contrário.
W. Moreira: (interrompendo rapidamente) E tem outra coisa: o Burle Marx não entrou no lago.
J. Richa: O Burle Marx não previu nada na solução do lago. Nada.
Panorama: Mas não havia uma paisagem determinada, cujas plantas iam até a margem do lago, protegendo-o da erosão?
J. Richa: Não…
W. Moreira: Dentro da água ele não pôs muda.
Panorama: A área prevista foi diminuída?
J. Richa: Não, absolutamente. Foi preservada a mesma área. E aquela proteção lateral é porque o lago estava se assoreando: daqui há 20 anos não existiria mais água, só terra. Então, o que foi feito: o que já estava no projeto, as curvas de níveis, pra você ir fazendo as contenções de água e proteção das margens para que não houvesse mais desbarrancamentos.
Panorama: Por que pelo menos não foi executado o projeto paisagístico?
J. Richa: Mas está sendo, rapaz. É só olhar atentamente, observar… Quantas árvores já foram plantadas Wilson?
W. Moreira: Bom, algumas árvores que ele indicou inicialmente nós não plantamos, mas podem ser plantadas porque nem terminamos de plantar árvores ali.
J. Richa: É… não terminamos! O Igapó foi entregue ao público, mas isto não significa que o serviço tenha terminado. Exatamente pelo dinamismo das áreas de recreação, sempre vai haver necessidade de todas as administrações fazerem alguma coisinha ali. Ou mudar.
(A entrevista é interrompida pela chegada de dois deputados, Antonio Belinatti e Otávio Pereira que depois de cumprimentarem um por um, dirigem-se com Richa para seu gabinete. O prefeito volta alguns minutos depois, lembrando que tem um jantar importante e está atrasado. O jantar era às sete e já passa das nove. A entrevista continua).
Panorama: Em termos de área verde, como está Londrina?
J. Richa: Está acima do desejável, que é de cem metros quadrados por habitante: Londrina tem mais de 120 metros quadrados por habitante, enquanto em Curitiba existem cem e em Belo Horizonte não passa de um metro quadrado. E se continuarem desenvolvendo os programas de saneamento de vales, Londrina terá uma das áreas verdes mais satisfatórias do país.
W. Moreira: Do mundo!
J. Richa: Do mundo! Em dois anos de gestão, nós plantamos mais de 20 mil árvores, já declaramos uma mata existente perto do “Campus” Universitário como sendo de utilidade pública e vamos assinar um contrato com a empresa elétrica para aquisição de uma área de 30 alqueires, quase só de mata virgem, pra criação de um Parque Municipal. O Plano Municipal de Saneamento está recuperando os vales do perímetro urbano, que vão dar um enorme potencial de áreas verdes contínuas.
Panorama: Por falar em áreas contínuas, por que não continuaram com a urbanização do Vale da Água Fresca?
J. Richa: Estamos retardando as obras até termos condições de desapropriar aquelas áreas, que não são nossas ainda.
Panorama: Prefeito, o senhor sabe dizer quantas pessoas chegam diariamente ou por ano em Londrina em busca de melhores condições de vida?
J. Richa: Não. Dizer exatamente eu não sei, mas é fácil de calcular: na área urbana, a cidade tem crescido uma média de 12% ao ano. O seu crescimento normal, o crescimento vegetativo, gira em torno de 3%. Daí 9% são de imigração, do próprio município inclusive: gente que sai da zona rural em vem pra cidade.
Panorama: A cidade tem condições de absorver essa mão de obra?
J. Richa: No momento não estamos oferecendo essas condições, não temos o número necessário de indústrias. Mas o problema já diminuiu bastante. Quando nós assumimos, havia uma pesquisa da Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul (Sudesul) que dizia existirem em Londrina de oito a dez mil empregados. Por uma série de fatores, pelo número de indústrias que chegaram aqui, eu acredito que o problema diminuiu pela metade. A gente percebe que diminuiu bastante.
J. Bortolotti: E depois não tem só a indústria: tem as construtoras, que surgiram aos montes em Londrina.
W. Moreira: Eu acho que o problema quase acabou. Pelo menos, teve uma época em que não existiam desempregados: foi numa época que a gente andou procurando gente pra trabalhar na jardinagem e não tinha ninguém.
Panorama: E talvez as indústrias, com suas máquinas que dispensam cada vez mais mão de obra, não sejam a única saída. Ou seriam?
J. Richa: Não, o problema também não é assim. Existem muitas indústrias, principalmente as do campo de tecelagem, que estão se estendendo em Londrina, que empregam muita mão de obra, não só na indústria, mas principalmente fora dela. A Carambeí, por exemplo, até incentiva o artesanato: compram teares e fornecem, com os fios, para as mulheres trabalharem em casa.
Panorama: A industrialização, o senhor acredita que ela é mais importante em termos de arrecadação de ICM, ou em fornecimento de empregos, resolvendo alguns problemas sociais?
J. Richa: Ela visa os dois objetivos: o econômico e o social, pois, os dois estão intimamente relacionados. E é muito importante industrializar o mais depressa possível. Londrina explodiu demograficamente, tendo na atividade agrícola a sua principal base de sustentação. E quem só produz matéria prima vai aos poucos se descapitalizando, porque os preços das matérias primas não sobem na mesma proporção dos produtos industriais. Economicamente, era preciso incentivar a industrialização, para a fixação de renda aqui. Em dois anos duplicamos a capacidade industrial do município! Em termos sociais: temos quase dez mil pessoas empregadas em indústrias e, com as indústrias em implantação, teremos mais de dez mil empregos. Aliás, nossa situação contrasta com a situação internacional, onde o problema do desemprego é um dos mais graves.
Panorama: Isso é devido a que fatores?
J. Richa: Estes dias eu estava conversando com o Aléssio, gerente do Banco do Brasil… eu gosto de conversar com pessoas inteligentes. E ele me perguntou isso aí. Eu respondi: não, eu não sei. Ele disse: os principais responsáveis pelo desenvolvimento daqui são a prefeitura e o Banco do Brasil. São os grandes instrumentos contra a recessão econômica, através dos financiamentos do Banco do Brasil e dos investimentos da prefeitura, que é a maior empresa do Norte do Paraná: juntando todos os setores nós temos mais de dois mil e 500 funcionários. Neste ano, serão investidos 182 milhões de cruzeiros, o que dá uma média de … (faz as contas) uns 15 milhões por mês.
W. Moreira: Meio milhão por dia!
J. Richa: Meio milhão por dia: é uma capital de giro, que estamos fazendo girar através de empreiteiros, valorização de áreas, com os equipamentos sociais, etc… Direta e indiretamente.
Panorama: Em termos de infraestrutura para a implantação de indústrias, o que tem sido feito? Em energia elétrica, por exemplo.
J. Bortolotti: A Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel), entre outras coisas, está quase concluindo uma subestação de distribuição, que vai atender Londrina e Cambé.
J. Richa: E estão fazendo também um levantamento para prever os investimentos que serão necessários nos próximos três anos.
Panorama: E o abastecimento industrial de água? Por que o Projeto Tibagi esteve jogado de lado e foi reapresentado agora como uma coisa nova? A Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) tem se preocupado com a água industrial?
J. Richa: Quando aderimos ao Plano Nacional de Saneamento (Planasa) e o abastecimento de água saiu das mãos do município para a Sanepar, exigimos água para o distrito industrial. Com relação ao Projeto Tibagi, na época não havia condições financeiras de tocar o projeto e nem havia necessidade imediata. Não há até hoje. A firma que fez o projeto dizia que era preciso, mas não especificava nada. Agora, a Sanepar contratou a Enaldo Cravo Peixoto, do Rio, para a realização de todos os projetos. O problema em Londrina era a rede de distribuição, mas a Sanepar, com suas novas obras, vai resolver o problema imediato da cidade: até 1978 não haverá necessidade de mais água.
"Nós éramos um grupo aqui em Londrina de jovens questionadores, que fizeram teatro no movimento secundarista. Toda essa turminha de jornalistas da minha geração, Nilson, Marcelo, Tadeu que veio depois, Cleusa que fazia arquivo, mas também era dessa área, Roldão Arruda, já tinha participado do movimento da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes)." – Célia Regina de Souza
Panorama: Mas quando foi feito o projeto que não era viável financeira e tecnicamente?
J. Richa: Economicamente seria viável, mas a função pública é um negócio de muita responsabilidade: não havia projeto técnico.
Panorama: Mas não foi a mesma firma que fez os dois projetos? Por que ela não previu isso?
J. Richa: Quem contratou da primeira vez foi o Serviço Autárquico de Saneamento, que era uma empresa municipal. Com a Sanepar mudou tudo. E depois tem mais: o que existia era um anteprojeto, enquanto que a Sanepar contratou um projeto. O anteprojeto era a simples vontade de captar água do Tibagi, o técnico fez um estudo rapidinho e diz que tem de buscar água no Tibagi.
(O prefeito está agitado. Acaba de ser informado que sua esposa já saiu de casa e não quis mais esperá-lo para irem ao jantar. Levanta-se e começa a responder, andando até a porta e voltando).
Panorama: Com tantas indústrias, como vem sendo o controle de poluição do ar e da água?
J. Richa: Nós temos um controle total do problema da poluição. Não só das firmas que estão se implantando, mas também das implantadas, que estão com prazo para elaborar seus projetos e colocá-los em funcionamento. E com a implantação dos distritos industriais, a concentração das indústrias ali, será muito mais fácil, pois pode-se elaborar um só projeto de tratamento de água que atenda a várias indústrias.
J. Bortolotti: E as indústrias que poluem o ar estão em pontos onde o vento impedirá que joguem fumaça na cidade. Tudo isto foi calculado.
Panorama: Quem controla e faz a fiscalização se não existe nenhuma legislação a respeito do assunto?
J. Richa: Não temos legislação, mas podemos não aprovar o projeto da indústria que não apresentar também o projeto de tratamento de seus detritos. E nós estamos em contato íntimo com a Administração de Recursos Hídricos, o órgão do estado que faz o controle direto. Todas as indústrias terão que ter obrigatoriamente seu sistema de detritos: nós damos muitos incentivos, mas também exigimos.
W. Moreira: E o saneamento também já é um controle, um indivíduo que utilize o rio para defecar, ou suas margens, polui muito mais do que uma indústria, com os vermes. O saneamento dos vales e da cidade é uma medida de controle.
(A última fala de Richa já foi feita da porta. Pede desculpas, meio irritado, e sai).
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