Reportagens Comentadas
Aqui, você encontra algumas reportagens completas presentes nas edições do jornal Panorama. Para dinamizar ainda mais a sua leitura, incluímos trechos das entrevistas realizadas até o momento referentes às reportagens
Uma correria, uma entrevista com o prefeito José Richa
“Londrina no futuro?” Richa se surpreende: “Impossível prever”. Não quer falar. Dois assessores incentivam, dão sugestões. Aos poucos, o prefeito começa a desenhar sua cidade do futuro. Lembra cidades americanas genericamente. Menciona viadutos em cima de viadutos, “andares de viadutos”, como em Tóquio. Prédios por todo lado. Vias expressas. Indústrias. Sorri, o prefeito se entusiasma.
“Dentro de dez anos não haverá mais nenhuma rua sem asfalto em Londrina. Em termos de área verde estaremos acima da média mundial!”. E o centro? “Todo fechado para o tráfego. No miolo, só pedestres. E quatro avenidas grandes cortando a cidade Leste-Oeste, quatro Norte-Sul”.
A nova linha férrea: “A remoção é irreversível. No leito da atual surgirá uma avenida expressa. E prédios suspensos”.“Novos centros comerciais surgirão. Ao longo da BR-369 — a Tiradentes será o novo centro comercial”. A Londrina futura de Richa não será diferente dos grandes centros do país.
Londrina de João Antônio
No final de 1974, João Antônio arrumava as suas malas às pressas para passar uma semana no interior do Paraná, em Londrina. O jornalista acabou ficando cerca de dois meses.
Convidado a trabalhar em um novo jornal, mais tarde conhecido como Panorama, o relato expõe os anseios, surpresas, alegrias e frustrações do escritor sobre o Norte Paranaense. Esta reportagem especial é fruto das primeiras impressões de João Antônio sobre a Londrina do final do século 20.
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Nesta reportagem, há um pouco de tudo.
Aeroportos, táxis, bares, restaurantes, noitadas, antigos e novos conhecidos, passeios despretensiosos por bairros e comércios e muita terra vermelha. A diversidade étnica e os contrastes de uma região onde o calor castiga chamam a atenção do escritor que sente falta da brisa marinha e das praias abençoadas pelo Cristo. “Estou no Norte do Paraná e é bom que enfie isso de vez na minha malemolência praiana”, confessa João Antônio.
João Antônio (1927-1996) foi um escritor e jornalista natural de São Paulo e ganhou notoriedade ao consolidar o gênero do conto-reportagem no jornalismo brasileiro. Em 1962, estreou na literatura com “Malagueta, Perus e Bacanaço”. A obra lhe rendeu prêmios como o Jabuti, sendo esta uma dupla premiação — autor revelação e melhor livro de contos —, além do prêmio Fábio Prado e do Prêmio da Prefeitura Municipal de São Paulo.
O mundo caminha para o caos
Esta reportagem descreve o Sr. Álvaro Godoy, um dos fundadores da UDN no município de Londrina e posteriormente vereador de 1947 a 1949. Demonstra os traços de sua personalidade, memórias e desconfianças. Foi defensor dos área de 690,1756 hectares de floresta em sua propriedade, a Fazenda Santa Helena.
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Atualmente, este local é conhecido como Parque Estadual da Mata dos Godoy, com três trilhas abertas à visitação. Os créditos geralmente são dados ao seu irmão, o Sr. Olavo Godoy, que herdou a propriedade e o mencionado “dilema da mata”. Também é citado o Professor de Ecologia da Universidade de Londrina (UEL) na época, Peter Westcott, que estava realizando uma pesquisa no local, ao longo da reportagem abordou a diversidade das aves e relações do ecossistema.
Segundo informações atuais do Instituto Água e Terra, vinculada à Secretaria do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo do Estado do Paraná, há presença de 282 espécies de aves na região.
João, o Barrageiro
“Eu fiz o perfil do Álvaro Godoy, fiz uma viagem para o norte pioneiro para mostrar como era a região — tinha uma edição especial, com três cadernos grossos, e uma das matérias era sobre as regiões do Paraná. Também fui ver a barragem de Salto Capivara, uma reportagem sobre como viviam os barrageiros. Um conto meu, “A maior ponte do mundo”, é baseado na conversa com um barrageiro. Esse conto faria parte do livro O Homem Vermelho, que estava em preparação”, resumiu Domingos Pellegrini sobre sua passagem breve e profícua pelo Panorama.
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A reportagem especial documenta a urbanização acelerada do Norte do Paraná e o impacto desse processo no cotidiano.
Milhares de trabalhadores se deslocaram para a construção da barragem e o trato com a cana-de-açúcar, no caso de Apucarana. Além do inchaço populacional, são mostrados a criação de redes de prostituição, as condições de trabalho, frequentemente resultando em acidentes e mortes, e a expectativa de uma nova ocupação ou a aposentadoria.
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João, o barrageiro, é um estudo para o conto “A maior ponte do mundo”, que também foi incluído na antologia Os cem melhores contos brasileiros do século, organizada por Italo Moriconi. Do contato com João Antônio no Panorama também saiu seu primeiro livro, O Homem Vermelho, vencedor do Jabuti, pela Civilização Brasileira — “ele foi meu grande padrinho”, contou em entrevista. Pellegrini não esteve no dia do desentendimento entre os jornalistas forasteiros e a chefia de redação, no fim de março de 1975. No dia seguinte também pediu demissão.
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O que o londrinense pensa da vida?
Em meados dos anos 1970, Londrina era uma cidade jovem e libertária para os padrões paranaenses. Comparada à sua irmã mais velha, Curitiba, era audaciosa como São Paulo. Mas o sustento vinha da terra roxa, uma das mais férteis do país para o plantio de café, e do tradicionalismo. Os ares de vanguarda, em oposição ao provincianismo – nas palavras de Elvira Alegre –, atraíram gente de todo o país, com promessas de prosperidade.
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O ambiente também era propício para o movimento sindical, com a força dos trabalhadores do campo, e para os estudantes – a Universidade Estadual de Londrina (UEL) foi palco de momentos memoráveis para
a luta estudantil. No teatro, música, artes plásticas e literatura Londrina foi proeminente e exportou nomes para o resto do país. A ebulição da cidade, entretanto, teve seus reveses. O crescimento acelerado resultou também em pobreza e formação de periferias.
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A reportagem O que o londrinense pensa da vida? foi feita a partir da pesquisa encomendada pelo Panorama ao Instituto Gallup de Opinião Pública. São explorados temas ligados às relações de trabalho, relacionamentos, economia e expectativas para o futuro. Nas respostas, a divisão por classe oferece ao leitor perspectivas desiguais sobre a cidade e as diferenças entre o que é – e como cada um podia – ser londrinense. São vistas de um cidadão “que diz que lê Joyce em inglês, mas não lava a louça”, como cravou Domingos Pellegrini.
Boia-fria
Em 1974, Célia Regina de Souza ingressou na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e na comunicação. No movimento estudantil, fez o jornal Poeira, um dos mais relevantes no circuito universitário da época. No ano seguinte, quando o dream team desembarcou no norte paranaense, Célia esteve entre os jovens que se candidataram para trabalhar no periódico.
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Boia-fria, seu texto de estreia, é construído em torno da inserção da repórter no cenário da reportagem. Célia viveu como um boia-fria por dois dias, e relatou a aventura em primeira pessoa. O estilo gonzo, como é chamado, já foi apontado como filho bastardo do new journalism. A experiência também reflete as relações de
gênero presentes na sociedade e nas redações dos anos 1970.
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A matéria – curiosa e estrategicamente – está no caderno Economia, e não Aventura. O Brasil era o maior produtor de café do mundo, e o Norte do Paraná o maior produtor de café do Brasil. Em março, quando a primeira edição do Panorama foi às bancas, o café já dividia as plantações londrinenses com a soja. A Geada Negra, em 18 de julho, selou a mudança nas lavouras e gerou um êxodo de cerca de 2,6 milhões de pessoas.
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O jornalismo não vingou de todo para Célia, mais interessada nas movimentações políticas. Deixou a redação com os veteranos do eixo Rio-SP: “Trabalhei na imprensa alternativa, no jornal Movimento, fui editora da Gazeta de Pinheiros, trabalhei em rádio, em tudo, mas o que eu gosto é de organizar um movimento, adiantar o Carnaval e inaugurar um monumento”.
DESGRACIDO!
O perfil de João Milanez, por ninguém menos que João Antônio, é um prato cheio de ironias e mostra do melhor em conto-reportagem. O autor revela as idiossincrasias do fundador e diretor da Folha de Londrina – principal concorrente do Panorama, com larga vantagem em vendas e popularidade.
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Além do depoimento do próprio perfilado, o texto Desgracido! É arquitetado em constante oposição à fala de desafetos de Milanez. Nas entrevistas, os jornalistas lembraram a repercussão entre os londrinenses, que poderiam não compreender as intenções do texto em sua forma, linguagem e conteúdo.
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O gênero conto-reportagem foi inaugurado pelo próprio João Antônio, na Realidade, em 1968 – quando já era um dos maiores jornalistas e escritores do país. O título foi concedido pelos colegas de redação da revista em reconhecimento aos textos que transitavam entre o literário e jornalístico. O conto-reportagem se tornou, por excelência, a linguagem da Realidade.
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Para José Trajano, além deste perfil, outros dois trabalhos de João Antônio “balançaram o coreto da cidade”. Um deles expõe uma sessão da câmara de vereadores de Londrina, nos moldes do conto-reportagem, investindo nas ações que nunca antes haviam sido relatadas por outros veículos, como os cacoetes dos edis e a descrição do ambiente.
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Olá, professor! Há quanto tempo, de 1975, registrou a volta do antropólogo Darcy Ribeiro do exílio, com o aval da ditadura, para tratar um câncer. O texto foi republicado por outros veículos e se tornou um marco na literatura sobre o tema.